"Hoje todo o mundo acredita que é fotógrafo. A situação é crítica para os profissionais da área, obrigados a enfrentar a concorrência desleal de amadores munidos de iPhones, câmeras de bolso e Photoshop.
O aumento da oferta diminui a remuneração a ponto de ser difícil sustentar estúdio e equipamento, mesmo que este também tenha barateado com as tecnologias digitais.
A democratização da imagem era esperada e não é má notícia. A crise que ela provocou pode ser tão efêmera quanto a que sofreu o design gráfico quando surgiram a editoração eletrônica e seus efeitos colaterais muito positivos.
Quando há mais profissionais há um aumento da produção e uma melhoria da qualidade, por mais que o processo demore para se concretizar.
Até a metade do século passado a comunicação era quase só verbal.
Fazer e consumir imagens era reservado a experiências místicas ou a privilegiados, normalmente na forma de arte. Como poucos compreendiam sua importância ou aplicação prática, programas de ensino valorizaram a redação, a matemática e outras formas de ciência simbólica, em detrimento de qualquer órgão dos sentidos.
Não seria um grande problema se a mídia permanecesse falada ou escrita. Mas o cinema, a TV e a publicidade perceberam o poder de uma mensagem capaz de ser identificada mas não interpretada e passaram a bombardear seus públicos com imagens coloridas, animadas e sensuais.
A internet e os videogames amplificaram esse ambiente multimídia, onde quem não sabe ver é considerado um caipira ingênuo e acaba segregado. Ou ludibriado.
A fotografia sempre foi o primeiro passo para a educação visual. Mas, até o surgimento das câmeras digitais, o custo dos filmes e revelações para chegar a um nível satisfatório de conhecimento era tamanho que muitos o consideravam desnecessário.
Mesmo populares, as imagens ainda eram poucas, quase todas destinadas ao registro dos acontecimentos, raramente usadas para a expressão pessoal.
O VHS começou a mudar o cenário, as câmeras digitais facilitaram a prática, a web publicou o mundo todo e as mídias sociais transformaram fotografias em parte obrigatória da identidade.
É o começo de uma busca por alfabetização. Os efeitos especiais de redes como o Instagram ensinam cor, enquadramento e foco a muitos que não teriam tempo, paciência ou recursos para aprendê-los pelas vias normais.
A aura de mistério que revestia os fotógrafos desapareceu e não voltará, mas à medida que todos estiverem bombardeados com imagens e forçados a produzi-las é bem possível que o valor de uma boa composição volte a ser reconhecido e valorizado."
Acredito que existam méritos na democratização de qualquer forma de expressão. Vejam, o sorriso foi extremamente democratizado e nem por isso se tornou banal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário