segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

TV e Cinema: Troca de Papéis

Já havia lido uma crítica em algum lugar sobre como as séries de TV dos canais pagos estão liderando a vanguarda da dramaturgia ao tratar de temas complexos da nossa contemporaneidade em total oposição a produção cinematográfica, cada vez mais voltada para o público infantojuvenil, apostando alto em filmes de fantasia ou aqueles em que imperam as fórmulas fáceis dos blockbusters.

Comprovei esta teoria em duas séries recentes dos canais de TV a cabo: 'Grace and Frankie' (Netflix) e 'The Alienist' (TNT). Atenção: o texto abaixo pode conter spoilers.


'Grace and Frankie' estreou sua quarta temporada no último mês de janeiro, com uma ótima audiência e sem dar sinais de cansaço desde que surgiu em 2015. A premissa da sitcom é genial: em plena terceira idade, Jane Fonda e Lily Tomlin descobrem que seus maridos mantém um caso há mais de 20 anos e resolvem se assumir como um casal.


Os veteranos Martin Sheen e Sam Waterston (acima) dão um show de leveza e humor como o novo casal gay do pedaço, em processo de aceitação e aprendizado de sua nova condição. Depois de passar por muitas situações engraçadas, os autores Marta Kauffman e Howard J. Morris decidiram que eles enfrentariam sua primeira crise séria nesta temporada.


Após recorrerem a uma terapia de casais - onde se debateu tópicos atuais como desejo e sexo na velhice, diferenças das relações hetero e homoafetivas, e casamento aberto, entre outros - a dupla ficou cara a cara com um desafio inédito: a proposta de um threesome com o bonitão Roy (Mark Deklin, acima). A decisão e as implicações ficaram para próxima temporada.


Já a nova série The Alienist estreou em janeiro e foi comentada aqui no blog. Muito bem recebida pela crítica que enalteceu seu frescor no tratamento de um tema batido, o do serial killer, é um primor em todos os detalhes técnicos (roteiro, fotografia, reconstituição de época) e ainda conta com um elenco talentosíssimo e afinado.

Porém, uma de suas melhores qualidades é a ousadia. No segundo episódio, o repórter John Moore (Luke Evans), envolvido na investigação de um assassino de garotos juntamente com o Dr. Kreizler (Daniel Brühl) e a secretária de polícia Sarah Howard (Dakota Fanning), resolve se infiltrar num bordel de meninos em busca de pistas. A trama se passa na Nova Iorque do século XIX.


Eu não me recordo de ter visto outra cena de bordel com adolescentes tão detalhada, exceto talvez por 'Pretty Baby' (1978) de Louis Malle, duramente criticado por expor a nudez de Brooke Shields, então com 13 anos.

A sequência em The Alienist retrata as condições degradantes da exploração sexual de menores com toda a sua sordidez - não por explicitar a nudez ou atos sexuais, mas porque atesta que isto realmente existiu e era muito mais comum do que gostaríamos de imaginar. De qualquer forma, são cenas com uma função vital para a trama, não são gratuitas, só com a intenção de chocar.


Diante disto, não há como deixar de fazer uma comparação com a coqueluche cinematográfica do momento 'Call By Your Name', criticado pela forma excessivamente ingênua e idealizada com que trata o tema da descoberta do primeiro amor entre dois homens. Adorável sim, mas comportado em demasia.

O cinema que já foi um importante espaço artístico de discussão, provocação, experimentação e ousadia, se rendeu ao palatável, comercialmente rentável e ao politicamente correto.

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